estendo os meus braços como quem estende a última nota musical
ou os lençóis brancos, lavados no pátio de casa.
estendo os meus braços como se não te tivesse perdido para sempre
como se conservasse a verdade dos teus olhos, como se te ouvisse
mastigar o almoço com os dentes desalinhados
estendo os meus braços e abro as mãos como se tivéssemos ainda
a vida toda. todos os dias para contar os pássaros e as coincidências.
não sei. se foi a tua boca. os teus gestos lentos na minha mente inquieta.
não sei o que fizeste daquela hora pequena em que nos encontramos
pela última vez.
mas estendo os braços, naquele beco em que nos conhecemos
e é como se chovesse sempre.
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018
os teus olhos não sabem o que dizem
os teus olhos são sombras que perpetuo
rente à pele dos dedos.
e alguém entrou nas tuas mãos
(eu senti.)
alguém beijou ciclicamente
os teus espaços vazios.
ensinaste-me o amor.
como se fosse uma coisa
de morrer por dentro.
terça-feira, 6 de fevereiro de 2018
"You better bring the police, you better call your pastor You better come with your guard, you better bring your armada Cause I don't wanna fall far from grace, far from grace"
não saberás habitar a casa
agora que as cortinas são
estas manhãs de osso
agora que me doem todas as sombras
dos teus olhos
e as tuas mãos não têm o tamanho do meu
cansaço.
hoje não.
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
não sei
se um pássaro pousou na tua boca
ou
se foram as minhas mãos a inventar a chuva.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
"Has anyone seen lightning Has anyone looked lovely And the daffodils looked lovely today Looked lovely"
sábado, 13 de janeiro de 2018
tira de mim
o peso da lava
sê o rio que lavra
o desejo.
quinta-feira, 11 de janeiro de 2018
dos teus olhos às minhas coxas
ou do meu querer às tuas mãos
qual é a noite mais longa?
quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
gostava de ter sido
o cotovelo
de um fim de tarde
que te embalou.
ou os joelhos esfolados da noite
à volta dos teus orgãos.
foto: mathieu gleizes
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
entende. olha para mim. repara. entende. a falta que sinto de ti é como um poema a verter para dentro do coração. é um vento que incendeia as mãos. e alastra.
segunda-feira, 8 de janeiro de 2018
ao longe continuarão
a passar os teus dedos
ou outras armas
inventadas por mágicos de rua.
os teus olhos terão o peso da luz
e nada me importará.
sexta-feira, 5 de janeiro de 2018
é um lugar
é o côncavo dos dedos
uma cicatriz na língua
alguém que entra
na tua sombra.
balanço
baloiço
esquece
se puderes
o cheiro a caril
nos dedos
esquece
se puderes
o pecado
e os becos
escuta
astuta
a sorte na última
folha do trevo
ou a treva
toda na boca.
fotografia de Garry Winogrand
hoje
tu e imortalidade
nós e o verbo despedida
eles substantivos perfeitos
têmpora e osso
hoje
acaso.
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
"e eu olhei importa se eu gostar ou não e sou a mesma nadacada minha voz falada tem em titeu nãoque importa se eu tenha razão e um coração"
quarta-feira, 3 de janeiro de 2018
pensei na mão.
macia e lenta a escorregar
para dentro do bolso
à procura de trocos
da fórmula da felicidade.
a máquina do tabaco a
devolver continuamente
a nota de 5 euros amarrotada.
vozes, as notícias sobre o futebol.
fatalidades. quarenta mortos.
nenhum orgão doado para
prato do dia. água, sem gás,
sem graça, quotidiana e fresca.
está na hora de iniciar o
desmame da vida que
te faz arrastar as palavras
sempre que falas de amor.
podias tentar tu. dar nome aos dias.
os minutos que demoramos a atravessar
a rua. ou dar voz aos pássaros. podias tentar
tu. abraçar a luz que se apaga às 07:30
nos candeeiros da rua. ou eu, ter a mesma
força no coração que tenho nos dedos
quando atiro o cigarro para os teus pés.
ter a força dos teus pés contra o meu
coração. podiamos tentar olhar
para dentro de nós. eu para dentro
de ti. tu para dentro de mim.
putas a chorar ou cães cegos de
fome. ou a agonia de um telefone
que não toca. cicuta para o jantar.
talvez se eu tivesse um deus
e me ajoelhasse na pedra do tempo
talvez o que me desse
a paz nossa de cada dia
eu não gritava o teu nome
eu não escondia os cadernos
com o teu nome,
eu tinha um deus a quem
cuspir na cara, a quem partir
os braços. e nenhum espaço para
a ternura, talvez.
foto: Andre Kertesz
segunda-feira, 1 de janeiro de 2018
há dias em que não me cabes
numa mão. há dias em que não
me cabes no corpo todo.
há dias em que preciso de te
escrever. de te chorar.
de te perder outra e outra vez.